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Comparando Denúncia Espontânea no âmbito do Doj Pilot Program à Lei da Empresa Limpa

Comparing FCPA BCCA [1]A versão original deste post foi elaborada em inglês. A tradução não foi realizada pelo autor. Este post é uma contribuição do parceiro Roberto Lambauer [2], advogado da Pinheiro Neto Advogados [3].

Ao longo de 2016 houve avanço significativo da cooperação internacional no combate à corrupção. Tal tendência é evidenciada pelo emblemático acordo [4] firmado pelo grupo Odebrecht em dezembro último com autoridades brasileiras, americanas e suíças, no âmbito do qual o grupo comprometeu-se a pagar multa superior a US$ 2 bilhões para por fim ao principal caso de corrupção já noticiado.

Na esfera jurídica, o fator decisivo para a celebração do mencionado acordo foi a introdução de incentivos à denúncia espontânea de atos de corrupção. Este post destaca algumas semelhanças e diferenças entre os incentivos à denúncia espontanea por pessoas jurídicas previstos no FCPA Pilot Program — divulgado pelo Departmento de Justica Americano (“DOJ”) — e na Lei da Empresa Limpa. Em primeiro lugar, vamos examinar similaridades entre as duas normas.

Requisitos do acordo de leniência. Ambas as normas exigem que a pessoa jurídica interessada em celebrar acordo de leniência: (a) aja voluntariamente ao reportar os ilicitos às autoridades; (b) cesse seu envolvimento nas irregularidades; (c) identifique os demais envolvidos; e (d) coopere com a investigação fornecendo documentos e informações relevantes.

Redução da multa. De acordo com o Pilot Program, o DOJ poderá conceder crédito integral de cooperacão – ou seja, até 50% de redução além do piso estabelecido nas Sentencing Guidelines – à empresa que (a) reportar violação ao FCPA voluntariamente e antes do início de investigações; (b) cooperar plenamente com as autoridades; e (c) restituir os lucros advindos da atividade ilícita. Por outro lado, o DOJ poderá conceder crédito limitado – até 25% de redução – à pessoa jurídica que vier a cooperar após o início das investigações, desde que preenchidos os requisitos (b) e (c). De forma semelhante, a Lei da Empresa Limpa prevê que a pessoa jurídica que reportar voluntariamente ilícitos às autoridades fará jus a redução de até dois tercos da multa aplicável. Ainda na lei brasileira, há a possibilidade de outras pessoas jurídicas envolvidas participarem da negociação de leniência, desde que sejam capazes de adicionar novos elementos à investigação.

Compliance como mitigador. Uma empresa investigada por ato de corrupção poderá ter a sua exposição reduzida perante as autoridades americanas se houver implementado um programa de compliance. Conforme previsto no Pilot Program, a empresa que possuir um programa robusto poderá receber crédito integral, reduzindo-se a multa aplicável. Ao avaliar o programa de compliance, o DOJ levará em consideração se a empresa (a) aloca recursos suficientes ao departamento, empregando  pessoas capacitadas e experientes no assunto; e (b) customizou o programa de acordo com o seu perfil de atuação, compromentendo-se a atualizá-lo constantemente de forma a reduzir o risco de novas ocorrências. A implementação de programa de compliance também é um mitigador pela Lei da Empresa Limpa. A avaliação dos programas pelo Ministério da Transparência odebedece a critérios semelhantes aos previstos no Pilot Program, levando-se em consideração, por exemplo: (a) o envolvimento de altos dirigentes da empresa; (b) independência da função de compliance; (c) existência de canais de denúncia; e (d) a tomada de medidas disciplinares contra os colaboradores envolvidos em irregularidades (p.ex. desligamento). Por outro lado, tais normas não preveem a existência de um sólido programa de compliance como uma defesa afirmativa, capaz de isentar a empresa de responsabilidade – ao contrario do UK Bribery Act e de normas recentemente introduzidas na Espanha incentivando o ‘soft enforcement’.

Agora nós veremos algumas diferenças relevantes entre o Pilot Program do DOJ e a Lei da Empresa Limpa.

Regimes de aplicação. Nos EUA, a aplicação do FCPA está a cargo de duas agências: (a) o DOJ, responsável por investigações criminais inclusive contra pessoas jurídicas; e (b) a Securities and Exchange Commission (“SEC”), que atua na esfera civel contra emissoras (geralmente companhias com capital aberto). Essa estrutura permite que a SEC responsabilize companhias emissoras por irregularidades contábeis ainda que não seja possível a comprovação de má-fé. Em investigações conjuntas, a SEC é responsavel pela apuração dos lucros a serem restituídos, cabendo ao DOJ a quantificação da multa. A delimitação precisa de competências reduz o risco de conflitos entre autoridades – fenômeno aparentemente incomum nos EUA. No Brasil temos uma situação inversa: nosso sistema – e aí reside a sua principal falha – permite que múltiplas autoridades autuem autonomamente no assunto, tornando bastante desafiadora a busca pelo consenso em temas relevantes como o valor da multa, restituição de lucros, e proibição de contratar com o Poder Público. Na esfera federal, além do Ministério da Transparência, há o envolvimento da Advocacia-Geral da União, do Tribunal de Contas da União e do Ministério Público Federal, criando amplo terreno para conflitos entre autoridades, o que pode ameaçar as negociações. As autoridades estaduais e municipais também têm competência para discutir acordos de leniência em suas respectivas esferas de atuação, não obstante a frequente carência de recursos e estrutura para conduzir negociações desta complexidade.

Critérios para a determinação da multa. A Lei da Empresa Limpa prevê critérios objetivos para a determinação da multa a ser fixada entre 0,1% a 20% do faturamento bruto no último exercício. Por exemplo, os seguintes fatores levam à majoração da multa: (a) ofensa continuada (1-2%); (b) ciência dos ilícitos pela alta direção (1-2,5%); (c) a empresa encontrar-se em sólida situação financeira (1%); e (d) reincidência infracional nos últimos cinco anos (5%). Da mesma forma, a norma brasileira estabelece circunstâncias mitigadoras, tais como (a) não materialização do ilícito (1%); (b) ressarcimento de danos pelo ofensor (1,5%); (c) cooperação com as investigações (1-1,5%); e (d) adoção de programa de compliance (1-4%). Por outro lado, o Pilot Program é praticamente um esqueleto nesse quesito, já que não especifica os critérios que devem nortear a quantificação da multa à empresa responsável por violar o FCPA. O Pilot Program do DOJ certamente poderia ser aprimorado nesse ponto para redução de incertezas.}

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