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Tendências na Aplicação do Direito da Concorrência na América Latina

Collusion [1]A versão original desse blog post foi escrita em inglês. A tradução não foi realizada pelo autor.

Ana Paula Martinez

Mariana Tavares de Araujo

Com o incremento da aplicação de legislação anticorrupção, como o FCPA, na América Latina, as empresas não devem perder de vista que sanções por infração à ordem econômica têm sido igualmente aplicadas com rigor em países como Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru.

Por exemplo, desde que a nova lei de concorrência entrou em vigor no Brasil em 2012, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE emitiu 50 decisões condenando empresas, indivíduos e associações de classe por conduta anticompetitiva. O CADE também conduziu 15 operações de busca e apreensão de documentos em conexão com investigações de cartel desde 2010. Nos casos de cartel, as empresas têm sido multadas em média em 15% de seu faturamento bruto no ano anterior ao da instauração do processo. Nos casos de abuso de posição dominante, a multa foi de em média 5% de seu faturamento no mesmo período. A sanção recorde foi de R$ 3.1 bilhões imposta em 2014, em um caso de cartel, em que também houve ordem de venda de ativos.

Da mesma forma, Chile, Colômbia e México iniciaram, respectivamente, 3, 2 e aproximadamente 70 investigações por meio de acordos de leniência. O Peru reporta igualmente que recebeu vários pedidos para firmar acordos de leniência e tem focado recursos na condução de buscas e apreensões para obter evidências de prática de cartel.

Pano de fundo. Vários países da América Latina adotaram leis antitruste na década de 90 no bojo de reformas mais amplas propostas pelas organizações de Bretton Woods como parte do Consenso de Washington, que englobavam liberalização dos mercados, estabilização da economia e privatização.  As leis promulgadas tratavam de áreas cruciais do direito antitruste: controle de atos de concentração, cartéis e abuso de posição dominante.  Por anos, porém, o foco da aplicação da lei foi na análise de atos de concentração inócuos da perspectiva concorrencial.

Esse cenário passou a mudar no começo de 2000. O Brasil tomou a dianteira e mudou o foco da aplicação de sua lei, priorizando a persecução a cartéis e fazendo uso de instrumentos agressivos de investigação, como acordos de leniência e diligências de busca e apreensão para obter evidência da ocorrência de ilícitos. Novas regras procedimentais foram adotadas e uma nova lei foi aprovada pelo Congresso em 2011. O país também adotou medidas para reduzir ineficiências no sistema de controle de concentrações e reorganizou internamente sua estrutura para poder cumprir sua função de forma mais racional.

Hoje no Brasil, as autoridades administrativas e criminais cooperam na persecução de condutas anticompetitivas. O CADE aplica a lei de defesa da concorrência contra empresas, associações de classe e indivíduos na esfera administrativa enquanto que o Ministério Público é o responsável por promover a ação penal contra indivíduos perante a Justiça. A cooperação do CADE com os promotores é essencial para garantir que indivíduos farão jus efetivamente à imunidade penal uma vez firmado o acordo de leniência com o CADE – e muitas vezes o Ministério Público firma o instrumento como interveniente-anuente para conferir a segurança jurídica necessária ao processo. O arranjo CADE/autoridades criminais também permite que a autoridade administrativa possa fazer uso de diferentes técnicas de investigação disponíveis na esfera penal – por exemplo, a interceptação telefônica.  Atualmente, o CADE e o Ministério Público com frequência cooperam desde o início da investigação e, em diversos casos, conduzem operações conjuntas de busca e apreensão, servindo de modelo na América Latina.

Nessa linha, Chile, Colômbia, México e o Peru também introduziram modificações legais e/ou procedimentais ao longo da última década, para se concentrar na persecução a condutas anticompetitivas, especialmente cartéis.  A repressão a cartéis por tais países segue as melhores práticas internacionais e baseia-se no trinômio técnicas sofisticadas de detecção, sanções severas e transparência, com o objetivo de dissuadir a prática ilegal.

Todas estas jurisdições adotaram programas de leniência, através dos quais participantes do cartel (normalmente somente o primeiro a reportar a conduta à autoridade) obtêm imunidade ou redução da sanção aplicável em troca de sua confissão e cooperação com a investigação.  Ao longo dos anos, o programa de leniência tornou-se o instrumento preferido pelas autoridades antitruste ao redor do mundo para a investigação de cartéis.

Os dados acima indicam que a repressão a condutas anticompetitivas tem ganhado proeminência na América Latina, gerando potenciais contingências significativas, fazendo com que seja essencial que as empresas identifiquem e previnam riscos antes que incorram em violações.

Ana Paula Martinez é sócia de Levy & Salomão Advogados.  De 2007 a 2010, ela foi Diretora do Departamento de Proteção e Defesa Econômica da SDE/Ministério da Justiça. Antes de ingressar no governo, foi associada ao escritório Cleary Gottlieb em Bruxelas.  Foi incluída pela publicação Global Competition Review entre as 100 mulheres mais influentes de antitruste do mundo (Top 100 Women in Antitrust), na lista “40 under 40” (2012), e venceu o GCR Awards 2014 como “Advogado do ano com menos de 40 anos” (Lawyer of the Year – 40 and under), e possui autorização para advogar no Brasil e em Nova Iorque.  Foi consultora da UNCTAD, do Banco Mundial e do Governo da Colômbia para temas relacionados à concorrência.  É Mestre em Direito pela Universidade de Harvard e pela Universidade de São Paulo-USP e é Doutora em Direito Penal pela USP. É membro do Conselho de Certificação do Ethic Intelligence.

Mariana Tavares de Araujo é sócia de Levy & Salomão Advogados.  Foi Secretária de Direito Econômico do Ministério da Justiça, além de ter ocupado outros cargos relevantes no governo de 2002 a 2010.  Foi incluída pela publicação Global Competition Review entre as 100 mulheres mais influentes de antitruste do mundo (Top 100 Women in Antitrust); a publicação Who’s Who Legal a incluiu entre os advogados de antitruste de maior destaque no mundo, e foi recentemente nomeada pelo LACCA Approved 2015.  É Mestre em Direito pela Universidade de Georgetown e é  consultora do Banco Mundial e consultora não governamental (NGA) da International Competition Network (ICN) em temas relacionados à concorrência.

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