FCPAméricas Blog

Destaques da regulamentação da Lei Anticorrupção brasileira

Author: Carlos Ayres

BrazilRegsA versão original desse blog post foi escrita em inglês. A tradução não foi realizada pelo autor.

A Lei Anticorrupção brasileira (uma tradução não oficial da lei para o inglês está disponível aqui), que está em vigor desde janeiro de 2014, determinava a regulamentação pelo Governo Federal sobre programas de compliance. Em 18 de março de 2015, a presidente Dilma Roussef assinou o Decreto 8.420/2015, que regulamentou alguns dispositivos da Lei Anticorrupção. O decreto já está em vigor.

Como discutido em posts anteriores (ver aqui e aqui), a regulamentação não se limitou apenas a descrever os critérios de avaliação dos programas de compliance. Pelo contrário, além de tratar dos critérios dos programas de compliance, seus 53 artigos tratam de outros aspectos, como processos administrativos e sanções, cálculo de multas, acordos de leniência e cadastro de entidades sancionadas. Abaixo são destacados quatro pontos principais da regulamentação. Posts futuros irão discutir a nova regulamentação em maiores detalhes.

Programas de compliance. O decreto prevê uma lista de 16 parâmetros que serão levados em consideração na avaliação do programa de compliance de uma empresa. São eles:

  1. o compromisso da alta administração e conselheiros com o programa;
  2. políticas e procedimentos aplicáveis ​​a todos na empresa;
  3. políticas e procedimentos aplicáveis ​​a terceiros;
  4. treinamento contínuo;
  5. avaliação periódica de riscos;
  6. livros e registros precisos e completos;
  7. os controles internos para garantir a confiabilidade das demonstrações financeiras;
  8. procedimentos específicos relacionados aos contratos públicos e interação com funcionários do governo;
  9. a independência, a estrutura e autoridade da instância interna responsável pela aplicação do programa de compliance;
  10. canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à proteção de denunciantes de boa-fé;
  11. aplicação de medidas disciplinares em caso de infração;
  12. procedimentos que assegurem a pronta interrupção das irregularidades e a tempestiva remediação dos danos gerados;
  13. due diligence em terceiros;
  14. due diligence em transações corporativas e de fusões e aquisições;
  15. monitoramento contínuo do programa; e
  16. transparência nas contribuições políticas.

Na avaliação desses parâmetros, serão levadas em consideração as seguintes especificidades da pessoa jurídica: i) quantidade de funcionários; ii) a complexidade da hierarquia interna e a quantidade de departamentos; iii) utilização de terceiros; iv) o setor do mercado em que atua; v) os países em que atua, direta ou indiretamente; vi) grau de interação com o setor público; vii) quantidade e localização de empresas do mesmo grupo econômico; e viii) o fato de ser qualificada como microempresa ou empresa de pequeno porte (tais entidades não são obrigadas a adotar os elementos dos itens iii, v, ix, x, xiii, xiv e xv mencionados no parágrafo anterior).

Critérios para a multa. A Lei Anticorrupção estabelece que as multas vão variar de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo (ou de R$ 6.000,00 – em torno de US$ 1,850.00 a R$ 60.000.000,00 – cerca de USD$ 18,505,000.00 – se não for possível utilizar o critério do faturamento bruto). A metodologia para apuração do “faturamento bruto” não foi definida no regulamento. Em vez disso, o decreto estabelece que tal conceito será definido em regulamento a ser publicado pelo chefe da Controladoria-Geral da União (“CGU“). O regulamento, no entanto, fornece os critérios que serão usados ​​para determinar o vulto da multa. Isso provavelmente é uma resposta às preocupações atuais sobre o fato de que o número extraordinário de autoridades competentes para aplicar a lei (ver post sobre isso aqui) poderia levar a eventuais abusos, especialmente no nível local.

Para o cálculo das multas, as autoridades aplicarão as seguintes percentagens ao faturamento bruto da pessoa jurídica, relativa a um ano antes do início do processo administrativo contra a empresa:

  1. 1% a 2,5% se houver continuidade dos atos lesivos no tempo;
  2. 1% a 2,5% em caso de tolerância ou ciência de pessoas do corpo diretivo ou gerencial da pessoa jurídica;
  3. 1% a 4% no caso de interrupção dos serviços públicos ou da execução da obra contratada ;
  4. 1% para a situação econômica do infrator com base na apresentação de índice de Solvência Geral – SG e de Liquidez Geral – LG superiores a um e de lucro líquido no último exercício anterior ao da ocorrência do ato lesivo;
  5. 5% no caso de reincidência;
  6. 1% a 5% de acordo com o montante dos contratos mantidos ou pretendidos com a administração pública (variando de 1% para contratos acima de R$ 1.500.000,00 – em torno de US$ 462,000 – a 5% para contratos acima de R$ 1 bilhão – cerca de US$308 milhões).

Desse valor, as autoridades irão excluir os seguintes montantes, com base na aplicação dos percentuais da receita bruta do ano anterior ao início do processo administrativo contra a pessoa jurídica:

  1. 1% no caso de não consumação da infração;
  2. 1,5% no caso de comprovação de ressarcimento da pessoa jurídica dos danos a que tenha dado causa;
  3. 1,5% para o grau de colaboração da pessoa jurídica com a investigação ou apuração do ato lesivo, independentemente do acordo de leniência;
  4. 2% no caso de comunicação espontânea pela pessoa jurídica antes da instauração do Processo Administrativo de Responsabilização;
  5. 1% a 4% para comprovação de a pessoa jurídica possuir um programa de compliance, conforme os parâmetros estabelecidos no decreto.

Esclarecimentos sobre acordos de leniência. A Lei Anticorrupção permite que as autoridades firmem acordos de leniência com pessoas jurídicas, desde que estas efetivamente colaborem com as investigações e o processo administrativo; que tal colaboração resulte na identificação dos envolvidos na violação, quando aplicável; e que as informações e documentos que comprovem os atos ilegais sob investigação sejam rapidamente obtidos (este post discute fatores a considerar antes de firmar acordos de leniência no Brasil). A regulamentação estabelece que acordos de leniência podem ser assinados a qualquer momento até que o relatório do processo administrativo seja preparado pelas autoridades. Ademais, estabelece que a pessoa jurídica proponente poderá desistir da proposta de acordo de leniência a qualquer momento que anteceda a assinatura do referido acordo. Nessa hipótese, os documentos apresentados durante a negociação serão devolvidos, sendo vedado seu uso para fins de responsabilização, exceto quando a administração tiver conhecimento deles de forma independente.

A regulamentação também estabelece que, dentre outras coisas, os acordos de leniência devem incluir disposições sobre a adoção, aplicação e aprimoramento do programa de compliance das pessoas jurídicas.

Processo administrativo. Os artigos 8º a 15 da Lei Anticorrupção estabelecem algumas regras processuais de base para a aplicação de sanções administrativas (ou seja, multa e publicação da decisão condenatória). Entre outras coisas, a regulamentação dispõe que, com relação à publicação extraordinária da decisão administrativa sancionadora, caso essa penalidade seja aplicada, a pessoa jurídica deverá publicar a decisão administrativa sancionadora em seu sítio eletrônico, pelo prazo de trinta dias e em destaque em sua página principal.

A regulamentação detalha ainda as regras do procedimento administrativo, dispondo, por exemplo, que o prazo para a conclusão do Processo Administrativo de Responsabilização não excederá cento e oitenta dias, admitida prorrogação por meio de solicitação do presidente da comissão processante.

A maioria dos aspectos da regulamentação não são obrigatórios em níveis estaduais e municipais, entretanto, espera-se que sirvam como orientação nessas jurisdições.

As opiniões expressas nesse post são pessoais do(s) autor(es) e não necessariamente são as mesmas de quaisquer outras pessoas, incluindo entidades de que os autores são participantes, seus empregadores, outros colaboradores do blog, FCPAméricas e seus patrocinadores. As informações do blog FCPAméricas têm fins meramente informativos, sendo destinadas à discussão pública. Essas informações não têm a finalidade de proporcionar opinião legal para seus leitores e não criam uma relação cliente-advogado. O blog não tem a finalidade de descrever ou promover a qualidade de serviços jurídicos. FCPAméricas encoraja seus leitores a buscarem advogados qualificados a fim de consultarem sobre questões anticorrupção ou qualquer outra questão jurídica. FCPAméricas autoriza o link, post, distribuição ou referência a esse artigo para qualquer fim lícito, desde que seja dado crédito ao(s) autor(es) e FCPAméricas LLC.

© 2015 FCPAméricas, LLC

Carlos Henrique da Silva Ayres

Post authored by Carlos Henrique da Silva Ayres, FCPAméricas Contributor

Categories: Aplicação das Leis, Brasil, Compliance Anticorrupção, FCPA, Português

CommentsComments | Print This Post Print This Post |

Leave a Comment

Comments

Leave a Reply


Subscribe to our mailing list

* indicates required

View previous campaigns.

Close