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A Guatemala decide não renovar o mandato da CICIG

Author: Guest Author

A versão original deste post foi escrita em Inglês. A tradução para o Português não foi feita pelo autor. Este post convidado é de autoria de José Quñones, sócio da Qil+4 Abogados na Guatemala.

A comunidade envolvida em compliance na Guatemala está agora preocupada com a decisão tomada pelo presidente guatemalteco de não renovar a Comissão Internacional Contra a Impunidade (CICIG) das Nações Unidas e a consequente proibição do atual representante de retornar à Guatemala (logo após ele ter saído do país). A decisão desmascara uma profunda polarização que ainda prevalece entre a população, e tal disputa e intransigência impedem os esforços de combate à corrupção como uma forma de se nutrir uma economia estável e um sistema político mais forte.

A CICIG vinha operando na Guatemala desde 2007 e seu mandato terminaria em setembro de 2019. Desde 2015, a Comissão intensificou sua exposição e trouxe à tona acusações contra o então Vice-Presidente e contra o Presidente, Deputados, Ministros, ex-Presidentes, candidatos à presidência e empresários envolvidos em casos de corrupção.

Muitos vêem a recente decisão do presidente Jimmy Morales como uma atitude de rebeldia e como uma medida desesperada para deter a investigação atual contra ele sobre financiamento político ilegal e contra alguns membros de sua família por atos menores de corrupção e fraude fiscal. O presidente negou isto enfaticamente em uma coletiva de imprensa. Outras pessoas questionaram o fato de que casos foram levantados diretamente contra membros bem conhecidos da comunidade empresarial, enquanto outros atores menos conhecidos permaneceram isentos. O fato de que alguns ficaram na prisão por anos à espera de julgamento e de um veredito foi citado como uma grande preocupação de que as convicções viriam mais da desmoralização pública pelas coletivas de imprensa da CICIG e de prisões preventivas do que de julgamentos justos.

A aparição do presidente perante dezenas de membros da liderança militar na coletiva de imprensa, quando anunciou que não renovaria a CICIG, bem como a presença de veículos blindados em frente à sede da CICIG, foram criticadas como insensatas por alguns e, por outros, como um retorno à ditadura militar dos anos 80.

O mais inesperado é o fato de que o presidente parece não ter agido sozinho nessa decisão. Antes de uma ordem ser emitida para proibir o retorno do atual Comissário à Guatemala, alguns políticos e executivos expressaram condescendência com a decisão e demonstraram aprovar a transferência da autoridade da Comissão para a procuradoria interna. Com o tempo, o apoio à CICIG nas esferas profissionais e comerciais se enfraqueceu enquanto o trabalho da Comissão se intensificava e se redirecionava de favorecimentos e da explícita apropriação de fundos públicos para pagamentos de propina e casos de contribuições não declaradas a campanhas políticas. A opinião pública nos meios conservadores abandonou o total apoio à CICIG e passou a demonstrar desgaste e ceticismo para, finalmente, assumir uma oposição declarada. O presidente até tentou conseguir apoio ao apelar para valores cristãos, alegando que a CICIG havia apoiado iniciativas que combatiam tais valores, um outro indicador da divisão que prevalece entre a população urbana.

É verdade que muito pode ser dito sobre as escolhas dos casos e os métodos usados pela CICIG. Ao mesmo tempo, não se pode questionar que a quantidade de processos e do nível de consciencialização nos últimos 24 meses foi algo inédito na Guatemala em sua história recente. Apesar dos vários casos que foram trazidos à tona, as redes de corrupção existentes, que se consolidaram ao longo dos últimos 25 anos, ainda possuem uma defesa forte e isto exigirá uma pressão contínua para que a campanha anticorrupção tenha um efeito duradouro. Resta esperar que os críticos à CICIG não apoiem um retorno a um estado de corrupção desenfreada.

Na esfera internacional, a CICIG recebeu apoio como uma nova experiência que poderia ser reproduzida como um sistema anticorrupção eficiente contra casos graves. Localmente, ela obteve o apoio da maioria da mídia impressa, de poucos empresários envolvidos politicamente e de diversos ativistas, além do apoio limitado de alguns membros do Tribunal Constitucional que vêm sendo cada vez mais questionados sobre envolvimentos em questões que ultrapassam a proteção da constituição. Porém, fraco tem sido o apoio popular, geralmente necessário para se estimular uma mudança nacional contra uma cultura de corrupção. Para a maioria, o movimento anticorrupção tem sido um esforço valioso, mas estrangeiro, envolvendo alguns atores realmente motivados, mas também outros que participam com um viés político e oportunista, resultando em uma alienação de parte da população e prejudicando o apoio à CICIG.

E tudo isto leva a uma dúvida geral que questiona se o Presidente ou seus consultores já se perguntaram como encontrar uma saída bem sucedida que acalme as preocupações locais e internacionais. As desavenças continuam porque o Congresso tem amenizado penas relativas a financiamentos ilegais de campanha (na esperança de que elas se apliquem retroativamente), ao mesmo tempo em que a CICIG levanta um novo caso contra o ex-Ministro do Interior pela tortura e execução de condenados que fugiram e foram recapturados em 2005, caso este que a maioria dos guatemaltecos acreditava ter sido encerrado quando ele foi capturado na Espanha, e que muitos vêem como uma manobra política e não uma alta prioridade para um país que terá eleições em breve, em 2019. Uma reforma leve nas leis eleitorais provavelmente não conseguirá conter a pressão de grupos econômicos ocultos em um sistema eleitoral que depende de campanhas caras que apelam a sentimentos básicos de milhões de eleitores sem educação formal.

A nossa esperança é a de que um forte apoio permaneça aos esforços anticorrupção, de modo que isto possa levar a um compromisso para que se reestabeleça um sistema profissional bem embasado e permanente, percebido e respeitado como algo isento no combate à corrupção, independente de pressões políticas e efetivo para recolocar o país no caminho certo. Os esforços feitos para se efetivar o acordo CICIG original duraram muitos meses e incluíram muita pressão política. Portanto, é possível que os próximos capítulos possam realmente dedicar-se a construir uma CICIG da próxima geração.

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Categories: Aplicação das Leis, FCPA, Guatemala, Português, UNCAC

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