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Ministério Público Federal emite Orientação sobre acordos de leniência

Author: Carlos Ayres

MPFA versão original deste post foi elaborada em inglês. A tradução não foi realizada pelo autor.

Em 24 de agosto de 2017, a 5ª Câmara de Coordenação e Revisão, órgão do Ministério Público Federal dedicado a fornecer integração e coordenação na luta contra a corrupção e responsável pela ratificação dos acordos de leniência assinados pelos Procuradores da República, emitiu a Orientação 07/2017, a ser observada na elaboração e assinatura de acordos de leniência.

Não há informações novas e significativas nas diretrizes para aqueles que lidam com acordos de leniência com o Ministério Público Federal no Brasil. As diretrizes formalizam em um documento escrito algumas práticas que os Procuradores da República adotaram em negociações e acordos que assinaram em casos relacionados à corrupção. A Orientação, no entanto, é benvinda na medida em que fornece informações úteis para empresas e advogados que negociam seus primeiros acordos de leniência com o Ministério Público Federal. Abaixo estão os 18 itens estabelecidos nas diretrizes.

  1. As negociações, tratativas e formalização do acordo de leniência devem ser realizadas pelo membro do MPF detentor da atribuição para a propositura da ação de improbidade ou da ação civil pública prevista na Lei 12.846/2013.
  1. Na hipótese de haver interesse de pessoas naturais na celebração de acordo de colaboração premiada, o início das negociações do acordo de leniência deve se dar concomitante ou posteriormente à negociação do acordo de colaboração premiada, no âmbito criminal.
  1. Após as conversas iniciais com a empresa sobre os fatos e provas a serem apresentados , e estabelecida a necessidade e oportunidade do acordo para as investigações, o início das negociações sobre as cláusulas do acordo deve ser precedido pela assinatura de “Termo de Confidencialidade”, que deve ser autuado em separado como “Procedimento Administrativo”, com o assunto/tema “Acordo de Leniência”, e distribuído por dependência ao inquérito civil ou outro procedimento que tiver sido anteriormente instaurado para apurar os fatos, se houver. O Procedimento Administrativo deverá ser mantido em sigilo durante toda a fase de negociação e, após a assinatura, até o momento fixado no acordo como próprio para o levantamento do sigilo.
  1. A assinatura do termo de confidencialidade deverá ser comunicada à 5ª CCR, por memorando, por meio do qual o Procurador natural poderá solicitar o apoio de Comissão Permanente de Assessoramento para Acordos de Leniência e Colaboração Premiada.
  1. As negociações deverão ser realizadas por mais de um membro do MPF, preferencialmente, de ambas as áreas de atuação (criminal e improbidade administrativa).

5.1.- Caso as negociações sejam realizadas em conjunto com outros órgãos, tais como o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle, Advocacia-Geral da União, CADE, Tribunal de Contas da União, os acordos deverão ser lavrados em instrumentos independentes, a fim de viabilizar o encaminhamento aos respectivos órgãos de controle.

  1. A realização de todas as reuniões deverá ser registrada nos autos do Procedimento Administrativo do Acordo de Leniência, com as informações sobre data, lugar, participantes e breve sumário dos assuntos tratados.
  1. O acordo de leniência deverá conter cláusulas que tratem, pelo menos, dos seguintes pontos:

7.1.- BASE JURÍDICA (129, inciso I, da Constituição Federal; art. 5º, § 6º, da Lei 7.347/85; art. 26 da Convenção de Palermo; art. 37 da Convenção de Mérida; artigos 3º, §2º e §3º, do Código de Processo Civil, artigos 840 e 932, III, do Código Civil, artigos 16 a 21 da Lei nº 12.846/2013; Lei 13.140/2015).

7.2.- DESCRIÇÃO DAS PARTES

  • tratando-se de grupo de empresas, deverá haver anexo identificando cada uma delas.
  • se for o caso, previsão da possibilidade de adesão ao acordo, durante prazo específico, por parte de empresas do grupo, diretores, empregados e prepostos da empresa envolvidos nas práticas objeto do acordo de leniência, mediante assinatura dos respectivos termos e posterior aceitação pelo membro oficiante.

7.3.- DEMONSTRAÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO (oportunidade, efetividade e utilidade), sendo:

  • oportunidade: a circunstância de ser a primeira empresa a revelar os fatos desconhecidos à investigação;
  • efetividade e utilidade: a capacidade real de contribuição da colaboradora à investigação, por meio do fornecimento de elementos concretos que possam servir de prova, devendo ficar explicitados quantos e quais são os fatos ilícitos e pessoas envolvidas, que ainda não sejam de conhecimento do Ministério Público Federal, bem como quais são os meios pelos quais se fará a respectiva prova.

7.4.- OBJETO DO ACORDO (descrição genérica dos fatos que serão revelados e por quem; a descrição específica deverá ser feita em anexos, sendo um para cada fato, incluindo as fontes probatórias).

  • Deve ser demonstrada a relevância das informações e provas: não basta que os fatos e provas sejam novos, precisam ser aptos a revelar e a desmantelar organização criminosa.
  • Deve haver a previsão sobre como se procederá em caso de revelação de novos fatos, depois de celebrado o acordo (possível aditamento do acordo, com previsão das consequências do aditamento).
  • Caso o objeto do acordo de leniência envolva mais de um fato ilícito e/ou mais de uma pessoa envolvida, e haja a necessidade de manutenção de sigilo sobre algum dos fatos ilícitos, a explicitação desses fatos e pessoas deverá ser feita em sumário ao termo do acordo de leniência, relegando a descrição de cada um dos fatos para anexos específicos que permitam o levantamento do sigilo em momentos distintos.

7.5.- OBRIGAÇÕES DA COLABORADORA (mínimas):

  • relativas às informações e provas relevantes (formas, prazos, locais, etc);
  • compromisso de cessar as condutas ilícitas;
  • compromisso de implementar programa de compliance (conformidade ou integridade) ou equivalente e de se submeter a auditoria externa, às suas expensas, se for o caso;
  • compromisso de, durante toda a vigência do acordo de leniência, colaborar de forma plena, sem qualquer reserva, com as investigações, portando-se sempre com honestidade, lealdade e boa-fé;
  • pagamento de valor relativo à antecipação de reparação de danos, ressalvado o direito de outros órgãos, instituições, entidades ou pessoas de buscarem o ressarcimento que entenderem lhes ser devido (v. item 10);
  • pagamento de multa (da LIA ou da LAC, conforme o caso) (v. itens 8 e 9).
  • prestar garantias do cumprimento da multa e da antecipação de reparação de danos
  • declarar que as informações prestadas são verdadeiras e precisas, sob pena de rescisão.

7.6.- COMPROMISSOS DO MPF:

  • realizar gestões junto a outras autoridades e entidades públicas buscando sua adesão ao Acordo de Leniência ou a formalização de seus próprios acordos, desde que compatíveis com o do MPF;
  • estipular benefícios e, se for o caso, não propor qualquer ação de natureza cível ou sancionatória, inclusive ações de improbidade administrativa, pelos fatos ou condutas revelados em decorrência do Acordo de Leniência, contra a COLABORADORA, enquanto cumpridas integralmente as cláusulas estabelecidas no Acordo;
  • dentre os benefícios, se for o caso, requerer a suspensão de ações que já tiverem sido propostas ou requerer a prolação de decisão com efeitos meramente declaratórios;
  • defender perante terceiros a validade e eficácia de todos os termos e condições do acordo.

7.7.- ADESÃO E COMPARTILHAMENTO DE PROVAS (Previsão da possibilidade de adesão ao acordo, por parte de outros órgãos do Ministério Público Federal, de outros Ministérios Públicos ou de outros órgãos e instituições públicas mediante o compromisso de respeitarem os termos do acordo ao qual estão aderindo, viabilizando-se, somente então, o compartilhamento das provas e informações obtidas por meio do acordo).

7.8.- COOPERAÇÃO COM AUTORIDADES ESTRANGEIRAS (v. item 13).

7.9.– DISPOSIÇÕES SOBRE ALIENAÇÃO DE ATIVOS (autorização para a colaboradora proceder à alienação, desde que comprovada sua necessidade, para o cumprimento do acordo).

7.10.- SIGILO (quem está obrigado ao sigilo e até quando)

7.11.- RENÚNCIA AO EXERCÍCIO DA GARANTIA CONTRA A AUTOINCRIMINAÇÃO E DO DIREITO AO SILÊNCIO

7.12.- RESCISÃO: HIPÓTESES E CONSEQUÊNCIAS

7.13.- PREVISÃO DA HOMOLOGAÇÃO PELA 5ª CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO

  1. A multa e outras sanções, bem como o valor pago a título de antecipação de reparação de danos serão estabelecidas com estrita observância do princípio da proporcionalidade, em razão do qual deve ser buscado o equilíbrio entre o proveito trazido à investigação e o benefício concedido à colaboradora.

8.1.- A multa poderá ser calculada com base nos critérios estabelecidos no artigo 12 da Lei 8.429/92 e/ou no artigo 6º e 16, § 2º da Lei 12.846/13 e artigos 17 a 20 do Decreto 8420/15.

  1. Qualquer valor arrecadado por meio do acordo de leniência, qualquer que seja seu título, deve levar em consideração as regras de responsabilidade fiscal e não deve haver previsão de aplicação ou investimento nos órgãos da administração pública, evitando-se assim, possível risco moral nas negociações.
  1. Não será dada quitação por danos ou prejuízos, devendo o valor pago a esse título ser sempre considerado como uma antecipação de pagamentos.
  1. Deverá ser elaborado um índice, com a descrição resumida do conteúdo de cada anexo probatório.
  1. Os Procuradores devem recusar o negociador e solicitar a indicação de outro, caso se sintam desconfortáveis ou em risco moral com o negociador indicado pela empresa a ser colaboradora, já que se trata de negociação inspirada na boa-fé, na honestidade e pelo princípio constitucional da moralidade.
  1. A negociação deve, sempre que possível, compreender tratativas a respeito de prática de corrupção transnacional, em atenção às obrigações assumidas pelo Brasil como signatário das Convenções Internacionais de Combate à Corrupção da OCDE, da OEA e da ONU, evitando-se a dupla penalização (bis in idem).
  1. Assinado o acordo, o procedimento administrativo no qual estiver juntado deverá ser encaminhado à 5ª CCR, para homologação, por meio do Sistema Único, garantindo-se o necessário sigilo.

14.1.- Os anexos somente deverão ser encaminhados caso a Câmara os solicite, por ocasião da apreciação do acordo.

14.2.- No momento do encaminhamento dos autos à 5ª CCR, deverão ser feitos, nos autos, os esclarecimentos que se entender necessários sobre os termos do acordo, inclusive sobre a forma de cálculo dos valores e multas acordadas.

  1. O procedimento será distribuído para um dos membros titulares da Câmara, devendo a apreciação do acordo, para fins de homologação, ser realizada em sessão de coordenação (cf. Deliberação do Conselho Institucional, nos autos do PA 1.30.001.001111/2014-42, na 10ª Sessão Ordinária, de 14.12.2016).
  1. Havendo a necessidade de novos esclarecimentos ou outras diligências, os autos serão restituídos à origem, para tal finalidade. Estando em ordem, o acordo será homologado, lançando-se nos autos os respectivos votos, a deliberação e seu extrato.
  1. Encerrada a deliberação e havendo a homologação do acordo, o extrato da deliberação da Câmara será publicado e divulgado, preservando-se, se for o caso, o sigilo do procedimento. Os autos serão restituídos à origem, mantendo-se na Câmara, em arquivo próprio, cópia do acordo e respectiva deliberação.

17.1. – Restituídos os autos à origem, a tramitação do procedimento administrativo de acompanhamento prosseguirá até o encerramento dos pagamentos pactuados ou das ações cíveis em que utilizadas as informações decorrentes do acordo de leniência, momento em que o arquivamento será submetido à 5ª CCR.

  1. As dúvidas serão dirimidas pela 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF.

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Carlos Henrique da Silva Ayres

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