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Considerações Culturais e a FCPA: Parte 1 (Aplicação da Lei)

Author: Matteson Ellis

A versão original desse blog post foi escrita em Inglês. A tradução foi realizada por Merrill Brink International.

Existem considerações culturais na FCPA? Sim e não – isso depende do contexto. A Parte 1 (abaixo) deste blog discute o papel da cultura na aplicação da lei. A Parte 2 discute o seu papel relativamente a compliance.

Parte I. Aplicação da lei. Na aplicação da FCPA, as normas culturais são irrelevantes. Não importa para a aplicação da lei se os atos corruptos – como pagar “comissões” aos agentes de venda no Brasil (ver, por exemplo, a Universal Corp.) ou fazendo pequenos pagamentos a autoridades reguladoras na Turquia (ver, por exemplo, a Delta & Pine Land) – são prática comum em um determinado país.

É verdade que a FCPA fornece uma defesa afirmativa para a atividade que é legal sob as leis ou regulamentos locais. Mas ainda está por acontecer uma lei local que legaliza o pagamento de propinas, e até mesmo pequenos atos de corrupção.

Neste sentido, como advogados e oficiais de cumprimento da FCPA, somos obrigados a ignorar as considerações culturais. Também às vezes somos obrigados a responder a argumentos a favor de fazer exceções às regras anticorrupção baseados na cultura local. Considere estes três.

1. “Nas culturas em que a corrupção é aceita, ela justifica-se”. Este argumento implica que algumas culturas são inerentemente mais corruptas do que outras. Não surpreendentemente, esta visão é freqüentemente ofensiva para pessoas de culturas “mais corruptas”, e o argumento é ainda mais enfraquecido pela dificuldade de medição e definição de corrupção. Estão os Estados Unidos livres de corrupção? Pergunte às pessoas do Estado de Illinois. Seu ex-governador acabou de receber uma sentença de 14 anos por tentar vender um lugar no Senado dos EUA. E quanto à França? Um tribunal francês acabou de considerar o ex-presidente Jacques Chirac culpado de corrupção.

A visão também sugere que tolerar a corrupção equivale a aprovação implícita ou aceitação pelo povo de um país. Se você perguntasse às pessoas nas ruas de Buenos Aires ou Guayaquil se elas aprovam autoridade que aceitam propinas, você ficaria com poucas ou nenhumas respostas “sim”. As pessoas em países com alta corrupção entendem o impacto pessoal de autoridades adjudicantes que selecionam produtos de baixa qualidade, como estradas e pontes mal construídas, em troca de propinas, de inspetores que ignoram questões de segurança alimentar, porque eles estão recebendo uma parte do produtor de alimentos, ou de funcionários municipais que apenas emitem carteiras de motorista para aqueles que dão “gorjetas”.

2. “Em alguns países, o suborno é construído para a economia”. Em outras palavras, o próprio sistema espera o suborno. O cobrador de impostos deve exigir propinas, porque ele não é pago o suficiente para viver. O policial deve fazê-lo para alimentar sua família.

Tenho alguma simpatia por essa perspectiva porque eu vi o lado humano desses cenários em primeira mão durante a realização de investigações de corrupção em partes difíceis do mundo. Lembro-me do uniforme esfarrapado do policial de trânsito que me pediu propina no Tajiquistão. Lembro-me do olhar desesperado do oficial de imigração que me pediu para lhe dar o dinheiro que tinha em moeda local, quando eu estava saindo da República Popular do Congo. Essas pessoas certamente não parecem estar aguentando um sustento de sobrevivência com muita facilidade.

Mas, mesmo considerando essas dimensões humanas, a corrupção ainda é criminal. A situação de autoridades de baixo nível sublinha, não a necessidade de mais propinas, mas a necessidade de sistemas estaduais melhorados. Se uma empresa quer mudar esses sistemas para melhorar o ambiente de negócios, há maneiras de diminuir o suborno. Por exemplo, a empresa pode trabalhar com a entidade governamental para financiar e supervisionar um programa que melhor treine e equipe a força policial para executar suas funções. O Procedimento de Opinião n.º 06-01 do DOJ permitiu a uma empresa fornecer apoio financeiro ao serviço aduaneiro de um país africano, como parte de um projeto-piloto para melhorar a eficácia da aplicação da lei das autoridades locais. As autoridades foram treinadas para melhor identificar e evitar produtos falsificados, o que, por sua vez, ajudou a empresa a lidar com a sua própria ameaça imediata do mercado. Em contraste, os pagamentos diretos às próprias autoridades provavelmente teriam constituído violações da FCPA.

3. “As propinas tornam uma economia mais eficiente”. Alguns argumentam que as propinas fazem as economias funcionar melhor através, por exemplo, da racionalização de burocracias (ver, por exemplo, Acemoglu e Verdier; Francis Lui). Mas, na prática, o oposto é geralmente verdade. Quando a corrupção é tolerada, os burocratas têm um incentivo para criar mais pontos de estrangulamento a partir dos quais podem extrair ainda mais benefícios. A advogada da Miller & Chevalier, Kate Atkinson, alertou que, ao fazer tais pagamentos a autoridades aduaneiras, o empresário corre o risco de “alimentar os ursos”. Um processo de uma única etapa de repente vira um processo de quatro etapas. As autoridades que começam a pedir pagamentos não param.

4. “Isto não são propinas, são uma coisa diferente”. Uma das áreas mais difíceis para o cumprimento da FCPA é determinar quando um presente, entretenimento, ou qualquer outra coisa de valor que é aceitável em uma cultura é realmente uma propina segundo a FCPA. Bolos de arroz são presentes comuns na tradição sul-coreana. Mas foram considerados propinas na ação de aplicação da Diageo. Pessoalmente, eu me lembro de empresários que levavam regularmente altos funcionários públicos para jantares caros na Argentina, enquanto eu estava trabalhando lá para uma empresa multinacional. Era a forma como as coisas eram feitas. Mas era legal?

Assuntos complicados como estes devem ser decididos numa base de caso-a-caso, com a participação e avaliação de um responsável de compliance, advogado, e outro gerente qualificado. Devem ser resolvidos com uma análise cuidadosa do programa de compliance da própria empresa, padrões aceitáveis ​​na indústria, e orientação relativa a aplicação da lei em ações anteriores, comunicados de opinião, declarações públicas, e outras fontes de autoridade.

O próximo post vai discutir momentos em que a consideração da cultura interessa à FCPA. Nesse contexto, a consideração da cultura não é apenas relevante, pode ser essencial para os agentes que desejam implementar programas de compliance globais eficazes.

As opiniões expressas nesse post são pessoais do(s) autor(es) e não necessariamente são as mesmas de quaisquer outras pessoas, incluindo entidades de que os autores são participantes, seus empregadores, outros colaboradores do blog, FCPAméricas e seus patrocinadores. As informações do blog FCPAméricas têm fins meramente informativos, sendo destinadas à discussão pública. Essas informações não têm a finalidade de proporcionar opinião legal para seus leitores e não criam uma relação cliente-advogado. O blog não tem a finalidade de descrever ou promover a qualidade de serviços jurídicos. FCPAméricas encoraja seus leitores a buscarem advogados qualificados a fim de consultarem sobre questões anticorrupção ou qualquer outra questão jurídica. 

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Matteson Ellis

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Categories: Aplicação das Leis, Brasil, FCPA, Português, Presentes e Entretenimento

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